Bruna Santos1
O famigerado complexo de vira-latas brasileiro,
diagnosticado por Nelson Rodrigues, tem sido recorrentemente citado ao
longo das últimas semanas. Ele reflete a insegurança e descontentamento
daqueles que repetem “só no Brasil mesmo” toda vez que se deparam com algum
problema. A percepção do brasileiro sobre a situação atual do país
piorou significativamente desde que os protestos tomaram as ruas em junho do
ano passado. A mensagem era clara: o brasileiro quer eficiência,
integridade política e, acima de tudo, quer ser ouvido. A iminência da
Copa do Mundo nos jogou no meio de uma nuvem de insegurança coletiva em relação
à percepção alheia sobre o Brasil. Nesse caso, a percepção de nada menos do que
o restante do mundo. A fim de dar um empurrãozinho na disposição de
alguns brasileiros a ver o copo meio cheio, proponho uma reflexão breve sobre
democracia e participação.
Na última quinta-feira, “só no Brasil mesmo”, foi
realizada a maior consulta pública da história da internet no país. A Votação
de Prioridades realizada pelo Gabinete Digital do Estado do Rio Grande do Sul encerrou
as consultas com 255.751 votantes em três dias. Com este resultado, o Rio
Grande do Sul realizou a maior consulta pública da história da Internet no país
e o maior processo de orçamento participativo digital do mundo. Tudo isso foi
monitorado de perto por pesquisadores do Banco Mundial que estavam no estado
para conduzir uma série de experimentos relacionados à participação cidadã.
Comparação e competição
Como quem olha o pão com manteiga que tem na frente
e compara com o carré de cordeiro na foto do Instagram do vizinho, o brasileiro
complexado olha para fora e se deprime. (Não cabe a mim explicar o porquê). Ele
se deprime porque pensa que em Miami a vida é mais fácil; que em Nova Iorque
tem emprego pra todo lado e que em Pequim tudo funciona, pois o governo é
eficiente.
Aos que pensam assim, fica o meu depoimento. Há
algum tempo vivo entre Brasil, China e Estados Unidos. Ser expatriada foi uma
opção de vida. Não saí do Brasil por que o país não funciona. Saí por
inquietação intelectual.
Manhattan connection às avessas - com parada na
Praça da Paz Celestial
Olho para os países onde morei nos últimos 4
anos e vejo que o Rio Grande do Sul não está nem um passo atrás em termos
de democracia e participação. Pelo contrário.
Nos EUA, desde a década de 1990 tem-se tentado
reinventar o governo. David
Osborne foi o idealizador dessa
reforma na administração Bill Clinton. Nos últimos 8 anos, Nova
Iorque também passou por uma transformação intensa na forma de pensar a
intersecção entre políticas públicas e tecnologia. Liderada pelo prefeito
Bloomberg, a iniciativa de usar a tecnologia da informação a serviço dos
cidadãos foi feita de maneira colaborativa. A prefeitura abriu seus dados e
criou canais de participação para que a população inovasse criando soluções
criativas para os problemas urbanos. Eu considero a experiência nova-iorquina
admirável e replicável. No entanto, a cidade ainda carece de iniciativas de
participação popular eficazes. Acredite, tendo Porto Alegre como exemplo, a
esquina do mundo lançou apenas em 2012 seu modelo de orçamento participativo -
23 anos depois da implantação do OP em POA pelo então prefeito Olívio Dutra.
Depois da grande maçã, olhemos para a outra esquina
do mundo: Pequim. Na China, se você não é filiado ao Partido Comunista Chinês
(PCC), as suas chances de ser ouvido e de participar das decisões políticas do
país são reduzidas a nada. O chinês de classe média hoje tem acesso às grandes
marcas internacionais, carros de luxo e etc, mas ainda está encerrado em um
modelo não participativo de governo. Lá vive-se era da informação, da
velocidade, da internet e das redes sociais, mas ninguém pode usar o Google, a internet é censurada e os cidadãos leem com descredibilidade o que é dito na
mídia local.
No
mesmo 4 de junho que, no Rio Grande do Sul, comemorávamos o sucesso da
participação popular na votação das prioridades, na China, o governo repetia,
pela 25º vez, seu esforço anual para apagar da história os vestígios do
massacre de estudantes que pediam democracia na praça de Tianamen.
Oportunidades
A era
da informação, da internet, das redes sociais e dos dados abertos nos oferece
a oportunidade única de reformular nossas instituições políticas. O Rio Grande
do Sul tem sido pioneiro nisso. Uma revolução na forma de fazer política
é necessária. A desigualdade entre ricos e pobres é um abismo que os líderes
mundiais passaram décadas tentando fechar. Mas, na realidade, a maioria dos
cidadãos permanece insatisfeito com uma desigualdade diferente: a que existe
entre os poderosos e os impotentes.
Mais
uma vez, o Gabinete Digital deu poder à voz dos gaúchos. Elevou o volume dos
que ainda falam baixo ou não são ouvidos. Eu tenho orgulho disso e não vejo
espaço para inseguranças e complexos, mas sim para avaliação crítica e
construtiva. Melhoria, sugestões, participação e inovação. Que assim seja e que
nossa voz nunca se cale. Os ouvidos dos poderosos estão abertos.
Aproveitem!
1 Bruna é mestranda em
Administracao Pública na Universidade de Columbia, pesquisadora no
projeto Public Management Innovation entre os Columbia Global Centers do Rio de Janeiro, Pequim e Mumbai e sócia-fundadora da empresa Ethos
Intelligence, dedicada ao monitoramento e avaliação de projetos de impacto
social. Contato: bsd2118@columbia.edu ::: b.santos.ri@gmail.com ::: LinkedIn
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